Você já se perguntou como os navegadores do passado conseguiam se orientar no mar sem GPS, mapas ou satélites?
A resposta está em um instrumento chamado relógio marítimo, que mede a hora exata em qualquer lugar do mundo.
Mas como esse instrumento foi inventado e por que ele é tão importante para a história da ciência e da humanidade?
Antes vamos falar sobre dois conceitos geográficos importantes: a linha do equador e o meridiano de Greenwich.
Linha do Equador
A linha do equador é uma linha imaginária que divide o planeta Terra em duas partes iguais: o hemisfério norte e o hemisfério sul.
Ela é chamada assim porque passa bem no meio da região equatorial, sendo a mais quente e úmida do mundo.
A linha do equador tem cerca de 40 mil quilômetros de extensão e atravessa 13 países, entre eles o Brasil.
Você sabia que o estado do Amazonas fica quase todo na linha do equador?
Isso significa que lá faz muito calor o ano todo e tem apenas duas estações: a seca e a chuvosa.
Meridiano de Greenwich
O meridiano de Greenwich é outra linha imaginária que também divide o planeta Terra em duas partes iguais: o hemisfério leste e o hemisfério oeste.
Ele é chamado assim porque passa pelo observatório astronômico de Greenwich, na Inglaterra, sendo o lugar escolhido para ser o ponto de referência para medir os fusos horários.
O meridiano de Greenwich tem cerca de 20 mil quilômetros de extensão e atravessa 8 países, entre eles a França e a Espanha.
Você sabia que o Brasil tem quatro fusos horários diferentes porque está em ambos os lados do meridiano de Greenwich?
Isso significa que quando é meio-dia em Brasília, é 9 horas da manhã no Acre e 1 hora da tarde em Fernando de Noronha.
Latitude e a Longitude
Agora que você já sabe o que são a linha do equador e o meridiano de Greenwich, você deve estar se perguntando: para que eles servem?
Bom, eles servem para nos ajudar a localizar qualquer lugar na superfície da Terra usando as coordenadas geográficas: a latitude e a longitude.
A latitude é a distância angular entre um ponto e a linha do equador, medida em graus, minutos e segundos.
Ela pode ser norte ou sul, dependendo do hemisfério em que o ponto está.
A longitude é a distância angular entre um ponto e o meridiano de Greenwich, também medida em graus, minutos e segundos. Ela pode ser leste ou oeste, dependendo do hemisfério em que o ponto está.
Por exemplo, se você quiser saber onde fica a cidade de São Paulo, você pode usar as coordenadas geográficas: 23°32’51” S (latitude) e 46°38’10” W (longitude).
Isso significa que São Paulo está a 23 graus, 32 minutos e 51 segundos ao sul da linha do equador e a 46 graus, 38 minutos e 10 segundos a oeste do meridiano de Greenwich.
Fácil, né?
Mas no século XVIII, isso era um grande desafio para os exploradores marítimos, que dependiam de instrumentos rudimentares e cálculos complexos para estimar sua longitude.
E isso causava muitos acidentes, naufrágios e perdas de vidas e cargas.
Imaginem só: você está navegando pelo oceano, sem saber exatamente onde está, e de repente se depara com uma ilha desconhecida, um recife de coral ou uma tempestade.
Não é nada divertido.
Relojoeiro inglês
John Harrison, um relojoeiro inglês resolveu um dos maiores problemas da navegação do século XVIII. Determinar a longitude de um navio em alto mar.
John Harrison nasceu em 1693, em Yorkshire, na Inglaterra.
Aprendeu sozinho a construir e consertar relógios de madeira, que eram mais baratos e resistentes do que os de metal, uma habilidade rara na época.
Ele também se interessava por astronomia, matemática e música, e usava seus conhecimentos para aperfeiçoar seus mecanismos.
Em 1713, ele se mudou para Londres com seu irmão James, e começou a trabalhar como relojoeiro profissional.
Relógio marítimo
Harrison tinha uma ideia fixa: criar um relógio marítimo que fosse capaz de manter a hora exata em qualquer condição climática e de movimento.
E por que isso era importante? Porque se você sabe a hora exata em que está e a hora exata em Greenwich, você pode calcular a sua longitude.
É só usar uma fórmula simples: longitude = (hora local – hora de Greenwich) x 15 graus.
Por exemplo, se em Greenwich são 12h e no seu navio são 15h, a sua longitude é (15 – 12) x 15 = 45 graus leste.
Mas criar um relógio marítimo não era nada fácil.
Os relógios da época eram muito sensíveis às variações de temperatura, umidade, pressão e gravidade.
Eles também sofriam com os balanços e as vibrações do navio. Por isso, eles atrasavam ou adiantavam muito, e isso comprometia a precisão da longitude.
Prêmio do Parlamento Britânico
Em 1714, o Parlamento britânico ofereceu um prêmio de 20 mil libras (equivalente a cerca de 3 milhões de libras hoje) para quem conseguisse resolver o problema da longitude.
O desafio atraiu a atenção de muitos cientistas, inventores e charlatães, mas ninguém conseguiu apresentar uma solução satisfatória.
Harrison decidiu entrar na disputa, e passou os próximos 40 anos desenvolvendo quatro modelos diferentes de relógios marinhos, cada um mais sofisticado e preciso que o anterior.
John Harrison enfrentou muitos desafios, obstáculos e inimigos.
H1, primeiro relógio marinho de Harrison
O primeiro relógio marinho de Harrison, chamado de H1, foi concluído em 1735.
Ele tinha cerca de um metro de altura e pesava 34 quilos, usava um sistema de balanços e molas para compensar os movimentos do navio e as variações de temperatura.
Também tinha um mostrador que indicava a hora em Londres e a hora local. Harrison levou seu relógio para um teste no mar, em uma viagem de ida e volta entre Londres e Lisboa.
O resultado foi impressionante: o relógio errou apenas 1 minuto e 5 segundos em dois meses de viagem, o que corresponde a um erro de menos de 20 quilômetros na longitude.
Harrison abandonou o H2 e partiu para o H3
Harrison ficou satisfeito com seu feito, mas achou que podia fazer melhor.
Então começou a trabalhar no H2, um relógio mais robusto e resistente, que levou cinco anos para ficar pronto.
Porém, antes de testá-lo, ele teve uma nova ideia: usar um escapamento de âncora, um dispositivo que regula o movimento do pêndulo do relógio.
Ele abandonou o H2 e partiu para o H3, um relógio ainda mais complexo e refinado, que levou 19 anos para ser concluído.
O H3 era uma obra-prima da engenharia, mas Harrison não estava contente.
H4, o último e mais famoso relógio marinho de Harrison
Ele percebeu que o escapamento de âncora não era adequado para um relógio marinho, pois causava atrito e desgaste nas peças, então teve uma inspiração genial: criar um escapamento de roda de balanço, que eliminava o atrito e mantinha o relógio em sincronia.
Também decidiu reduzir o tamanho e o peso do relógio, tornando-o mais portátil e prático. Assim nasceu o H4, o último e mais famoso relógio marinho de Harrison.
O H4 tinha apenas 13 centímetros de diâmetro e pesava 1,45 quilos.
Ele parecia um relógio de bolso gigante, com um mostrador elegante e detalhado, usava uma corda para dar corda ao mecanismo, que durava 30 horas. Ele também tinha um cronômetro, que media os segundos com precisão.
Harrison levou seu relógio para um teste definitivo em 1761, em uma viagem de Londres à Jamaica.
O resultado foi extraordinário: o relógio errou apenas 5 segundos em 81 dias de viagem, o que corresponde a um erro de menos de 2 quilômetros na longitude.
Comissão da Longitude
O John Harrison deve ter sido muito reconhecido e recompensado por isso, né?
Bom, nem tanto. Na verdade, ele teve que lutar muito para receber o prêmio que o Parlamento Britânico havia oferecido para quem resolvesse o problema da longitude.
Harrison havia cumprido os requisitos do prêmio do Parlamento, mas ele ainda teve que enfrentar a resistência e a burocracia da Comissão da Longitude, um grupo de astrônomos e matemáticos que julgavam as propostas dos candidatos.
Havia muita resistência e preconceito contra o John Harrison, principalmente por parte dos astrônomos, que defendiam outro método para medir a longitude: o método lunar.
Esse método consistia em observar a posição da lua em relação às estrelas e comparar com tabelas astronômicas.
Era um método muito complicado e impreciso, mas era o preferido pelos cientistas da época, que achavam que o problema da longitude só podia ser resolvido pela astronomia, não pela mecânica.
Eles não acreditavam que um simples relojoeiro pudesse ter criado um instrumento tão revolucionário, e exigiram que ele revelasse todos os detalhes de seu mecanismo e que ele fosse testado novamente por outras pessoas.
Harrison se sentiu injustiçado e humilhado, mas não teve escolha senão obedecer.
Ele passou os próximos anos lutando para provar a validade de seu relógio, enfrentando intrigas, sabotagens e calúnias.
Recompensa tardia
Ele só recebeu o prêmio integral em 1773, quando tinha 80 anos de idade, graças à intervenção direta do rei George III, que ficou admirado com sua invenção.
John Harrison morreu em 1776, aos 83 anos, deixando um legado inestimável para a história da navegação, da ciência e da tecnologia.
Seus relógios marinhos estão expostos no Observatório Real de Greenwich, em Londres, onde podem ser admirados por sua beleza e precisão.
Eles são considerados as obras-primas da relojoaria, e inspiraram gerações de relojoeiros e inventores.
Graças a ele, os navegadores puderam explorar o mundo com mais segurança e confiança, abrindo caminho para novas descobertas e aventuras.
Foi um verdadeiro herói, que dedicou a sua vida a uma causa nobre e que superou todas as dificuldades com perseverança, criatividade e talento.
John Harrison merece o nosso respeito e admiração.
Espero que você tenha gostado deste post sobre a história do relógio marinho de John Harrison e sua contribuição para a medição da longitude.
Se você tiver alguma dúvida ou curiosidade sobre esses assuntos, deixe um comentário abaixo que eu vou adorar responder. Até a próxima!
Fonte
Longitude – Dava Sobel – Companhia de Bolso; Edição de bolso (29 julho 2008)