O que é a Incerteza de Medição no Certificado de Calibração?

Quando nos é apresentado o resultado de uma calibração, normalmente recebemos o certificado de calibração com a tabela de resultados.

Em nosso artigo anterior, Precisão e Exatidão  vimos que todo instrumento de medição pode apresentar dois tipos de erros e eles estão presentes na tabela de calibração abaixo.

Tabela 1 – Calibração dos bicos do paquímetro para medição externa

Valor do Padrão (mm) Valor do Instrumento (mm)Erro (mm)Incerteza (mm)kVeff
0,00,000,000,012,00
10,010,010,01 0,01 4,532
20,020,000,00 0,01 2,00
50,050,020,02 0,01 2,00
100,0100,030,03 0,01 2,00
150,0150,00,000,03 2,00

A tabela que estamos usando como exemplo representa a calibração de um paquímetro. Podemos observar que todo resultado vem acompanhado de sua respectiva incerteza de medição.

Antes, precisamos entender o que é intervalo de confiança

Não podemos usar o erro sem considerar sua incerteza, ambos fazem parte do Intervalo de confiança:

Em estatística, o intervalo de confiança é um tipo de estimativa por intervalo de um parâmetro populacional desconhecido. É um intervalo observado (calculado a partir de observações) que pode variar de amostra para amostra e que com dada frequência (nível de confiança).

O resultado de uma medição é apenas uma aproximação do valor do objeto em calibração. Desta forma, a apresentação de um resultado será completo quando for acompanhado por um valor que declara sua incerteza.

Gráfico de erros e incertezas de medição

Neste gráfico temos os mesmos resultados apresentados na tabela, porém, de maneira mais visual. Com isso conseguimos visualizar qual o resultado possui o maior Intervalo de confiança.

O Valor do ponto de 150 mm apresenta erro zero, ele é exato, porém sua incerteza é de 0,03 mm, ou seja, ele não é preciso neste ponto.

Os valores em 150 mm podem variar de 149,97 mm até 150,03 mm com uma probabilidade de abrangência de 95%.

A incerteza expandida de medição relatada é declarada como a incerteza padrão de medição multiplicada pelo fator de abrangência k, de tal forma que a probabilidade de abrangência corresponda a aproximadamente 95%. A incerteza padrão da medição foi determinada de acordo com a publicação EA-4/02.

Esta frase que consta nos certificados de calibração faz um resumo de como e onde é baseada nosso cálculo de incerteza.

O documento utilizado hoje como referência para o cálculo de incerteza é o NIT-DICLA-021 (Expressão da incerteza de medição por laboratórios de calibração) ele é baseado na publicação EA-4/02 (Evaluation of the Uncertainty of Measurement In Calibration) da European Accreditation.

Afinal, o que é Incerteza de Medição?

Segundo o VIM (Vocabulário Internacional de Metrologia), a incerteza de medição é o parâmetro não negativo que caracteriza a dispersão dos valores atribuídos a um mensurando (objeto da calibração), com base nas informações utilizadas.

O resultado da medição y deve ser expresso da seguinte maneira:

Expressão de um resultado de medição
Expressão de um resultado de medição

Onde: x barra é a média dos resultados obtidos do conjunto de medições e u é a incerteza de medição.

A incerteza é calculada levando em conta dois tipos de componentes para realizarmos o cálculo de incerteza da medição,

  • Incerteza padrão tipo A
  • e incerteza padrão do tipo B.

Incerteza padrão do Tipo A

Conforme o VIM a avaliação do Tipo A da incerteza de medição é a avaliação de uma componente da incerteza de medição por uma análise estatística dos valores medidos, obtidos sob condições definidas de medição.

A incerteza do tipo A é a parte estatística da Incerteza de Medição, nela está presente o componente que determina a precisão do objeto em calibração.

Sendo peça chave para o cálculo do Veff em consequência do famoso fator de abrangência k.

Incerteza padrão do Tipo B

Segundo o VIM a avaliação do Tipo B da incerteza de medição é a avaliação de uma componente da incerteza de medição determinada por meios diferentes daquele adotado para uma avaliação do Tipo A da incerteza de medição. Avaliação baseada na informação.

EXEMPLOS

  • Associada a valores publicados por autoridade competente,
  • Associada ao valor dum material de referência certificado,
  • Obtida a partir dum certificado de calibração (incerteza do padrão),
  • Relativa à deriva (variação ao longo do tempo, estabilidade temporal),
  • Obtida a partir da classe de exatidão dum instrumento de medição verificado,
  • Obtida a partir de limites deduzidos da experiência pessoal.
  • Associada a gradiente de temperatura durante a medição;
  • Associada ao afastamento da temperatura ambiente em relação à temperatura de
  • Referência estipulada,
  • Relativa ao tipo do indicador, digital ou analógico,
  • Associada a erros geométricos;
  • Relativa à histerese.

Incerteza Padrão Combinada

Com as componentes do tipo A e tipo B determinadas, combinamos todos os valores na incerteza padrão combinada, para chegarmos a incerteza expandida, que é a incerteza de medição apresentada no certificado, multiplicamos a incerteza combinada pelo fator de abrangência k.

Fator de abrangência k e Graus de Liberdade Efetivo

Por várias razões, e uma das principais é o de ordem econômica, o número de repetições de uma medição é reduzido para um número que varia entre três e dez, para estes casos é necessário aplicar o fator t-Student, que leva em conta o fato de a amostragem ser pequena.

O fator t-Student é determinado de acordo com o número de graus de liberdade efetivo da distribuição (n-1).

Tabela 2 – Fatores de abrangência k para diferentes graus de liberdade veff

Veff123456781020
k13,974,533,312,872,652,522,432,372,282,052,00

O fator de abrangência k multiplica a incerteza para chegarmos a um nível de confiança de até 99,73% de abrangência, mas o mais utilizado é de 95,45%.

O fator k pode variar devido a alguns fatores, um dos principais é a precisão do item em calibração.

Pois se o item não apresenta boa repetibilidade, vai interferir direto no intervalo de confiança, aumentando o valor de k.

Curva da Gauss
Curva da Gauss

No gráfico abaixo, a linha laranja representa k = 2. As demais linhas representam valores maiores que 2 para k.

Mesma média e desvios padrão diferentes

Incerteza Expandida

Multiplicamos o valor da incerteza padrão combinada por uma constante para representar a incerteza final associada a um nível de confiança.

Obtemos a incerteza expandida U, multiplicando-se a incerteza combinada pelo fator de abrangência k.

Incerteza Expandida
Fórmula da incerteza expandida de medição

Incerteza e sua representação gráfica

Voltando para o gráfico da calibração de nosso paquímetro, podemos ver a curva normal posicionada sobre o intervalo de confiança:

Intervalos de confiança
Intervalos de confiança

Separando apenas o resultado de 150 mm, conforme conversamos até agora, podemos simplificar através dos gráficos:

Histograma
Histograma
Curva normal
Curva normal

A diferença entre os gráficos é que no primeiro temos um número finito de observações, que são as repetições das medições.

O segundo gráfico representa a medição com um número de medições tendendo ao infinito.

Assim podemos mostrar visualmente que o cálculo de incerteza de medição que realizamos hoje, pode representar o modelo ideal.

Incerteza de Medição no Certificado de Calibração

A Incerteza de Medição, uma informação tão importante quanto o erro ou a tendência do instrumento de medição.

Ela representa a qualidade da calibração ou medição, é a dúvida que o laboratório tem no resultado apresentado.

A intenção é trazer a informação para que possamos avaliar criticamente os resultados de nossos instrumentos de medição.

Esperamos com este artigo poder contribuir com mostrando de forma resumida, como é realizado o cálculo de incerteza.


Fontes
Avaliação de dados de medição — Guia para a expressão de incerteza de medição
Intervalo de Confiança
NIT-DICLA-021 – Expressão da incerteza de medição por laboratórios de calibração
EA-4/02 – Evaluation of the Uncertainty of Measurement In Calibration
VIM – Vocabulário Internacional de Metrologia
Metrologia e Incerteza de Medição: conceitos e aplicações | Alexandre Mendes, Pedro Paulo Rosário.

Marlon J Martins

Marlon J Martins

Cofundador do Canal Metrologia. Especialista em Metrologia e Qualidade. Formado em Matemática pelo Centro Universitário Fundação Santo André e especialista em Física pela Unicamp. Exerço a função de Gerente técnico de laboratório desde 2003. Aqui no canal sou responsável por escrever artigos, apresentar e editar o podcast.